Só quando o imperialismo for eliminado
pode prevalecer a paz. Dia virá em que os tigres de papel serão liquidados;
eles, porém, não se extinguirão por acordo próprio: devem ser abatidos pelo
vento e pela chuva.
Mao Tsé-tung
Estranheza,
no mínimo, causa a um leitor budista a epígrafe deste texto. Mao Tsé-tung foi e é
pintado pelos meios de comunicação das classes dominantes, sobretudo no
hemisfério ocidental, como um ditador sanguinário à beira da loucura. Não perderei tempo criticando a caricatura e a desumanização que sempre sofreram e
sofrem os inimigos das burguesias nacionais e imperialista. Basta pensar na
forma como é apresentada a organização social e os governantes da República
Popular da Coréia, a chamada Coréia do Norte. A classe dominante promove sistematicamente a destruição da consciência histórica
dos povos como estratégia fundamental para subjugá-lo e impedir a solidariedade entre as
nações dependentes contra o imperialismo. No Brasil, pouco ou nada se sabe sobre
a Coréia do Norte e a China e, numa invasão imperialista sob o comando dos EUA
à Coréia, o brasileiro, graças ao processo de desumanização promovido pelos
meios de comunicação dominante, não terá empatia pelos coreanos. O povo
brasileiro não se identifica nem com seus compatriotas vizinhos latinos americanos:
o bolivarianismo é rotulado pela imprensa burguesa como uma versão da loucura
esquerdista na América Latina e os trabalhadores brasileiros seguem submetidos
à condição de ignorância em relação à estas questões. Nós, brasileiros, também
não nos indignamos contra nossa própria miséria física e moral; não temos
genuína solidariedade na luta coletiva contra o genocídio de negros e índios
que ainda ocorre no Brasil. Não por coincidência, nossa pátria foi a última a
abolir formalmente o trabalho escravo. Por sorte, o tempo não para. O Tao, a
Natureza, transforma-se inexoravelmente e, mais cedo ou mais tarde, o povo há
de se iluminar sublevando-se contra a opressão e a exploração.
Parece
contraditório que um budista fale contra as guerras imperialistas em defesa da
autodeterminação dos povos e faça referência à Mao que, como grande líder da
revolução chinesa, foi responsável pela ocupação do Tibet. Para a maioria das
tradições budistas, Mao é lembrado apenas por causa da ocupação do Tibet pela China
popular em 1950-51. Geralmente, essa memória é distorcida pelas causas e
condições das quais os próprios budistas são dependentes: o capitalismo. De qualquer
forma, não há razão para titubear: sou por um Tibet livre e soberano.
Entretanto, não faço coro junto ao imperialismo contra a China que, atualmente,
é um gigante do capitalismo mundial e representa uma das tantas revolução atravancadas pelas condições do século XX; muito menos faço coro contra a memória
do comandante Mao, pois, ao contrário do que apregoam os filmes
hollywoodianos e os ideólogos do capital, a ocupação chinesa no Tibet não
pode apenas receber o rótulo moralista “banho de sangue”. Sangue e sofrimento
há em todas as guerras e em todos os lados envolvidos. O que os ideólogos do
capital ocultam é que a ocupação chinesa foi também a esperança de
emancipação celebrada por muitos camponeses tibetanos. Sim, muitos
camponeses tibetanos celebraram a esperança de emancipação do trabalho. O lamaísmo,
que surgiu por volta do século IX no Tibet, fundava-se no sobretrabalho servil dos camponeses, cujo
excedente era apropriado pelos lideres budistas em seus monastérios. O
lamaismo como ideologia de estado, tal como existia antes dos anos 1950 no
Tibet, já não existe e jamais voltará a existir; agora é, no máximo, apenas uma
vertente mundial do budismo. Por isso, é de grande valor a afirmação do atual
Dalai Lama de que a primeira geração de comunistas do Partidão chinês era
admirável e possuía grande dedicação às causas dos trabalhadores e do povo
pobre. Em relação à Mao Tse Tung, o líder tibetano afirmou: "ele me
considerava como seu filho, eu o considerava como meu pai; era uma relação
muito próxima".
A história é
contraditória. Por mais que um marxista tenha uma consciência crítica da
história e um budista tenha autoconsciência, nada disso anula as causas e as
condições de suas formas de pensar e, além disso, como a verdade não é algo
estanque, ninguém a tem como dono, ao contrário, aproxima-se dela
sucessivamente e um sábio haverá de saber o quão grande é sua ignorância. Uma
visão correta sobre a gênese dependente dos fenômenos não pode obscurecer o
fato de que um budista é gerado de forma dependente de suas relações sociais, em outras palavras, pelas condições karmicas. O
fato de ser budista, não isenta um indivíduo das causas e condições sociais em
que nasce e se desenvolve, ao contrário, o fato de ser budista é consequência
destas causas e condições. Atualmente, o capital mundializado é causa de sofrimentos
enormes em todo globo, condicionando o modo de ser dos indivíduos; o
imperialismo é condição necessária da expansão capitalista e da guerra
intercapitalista por novos mercados, recursos naturais e força de trabalho
barata. Estas guerras assumem diversas roupagens. Diversas narrativas procuram
explicar essas guerras e as mais comuns são narrativas religiosas que justificam,
por exemplo, o genocídio do povo palestino pelo criminoso estado de Israel. Essas falsas narrativas ocultam os
verdadeiros motivos pelos quais políticos e empresários organizam suas guerras,
por exemplo, confundido budistas e mulçumanos em todo mundo sobre a situação de
Mianmar. Das causas e condições de seu tempo histórico nenhum ser escapa e o indivíduo, ao tornar-se budista, não se torna exceção à regra. Em Mianmar,
budistas estupraram e mataram muçulmanos, mas a “intolerância religiosa” não
pode explicar por si só essa barbárie que é a corrupção e a
ameaça imposta por empresas chinesas e sul-coreanas, estadunidenses, francesas,
canadenses e indianas que disputam a exploração do petróleo e gases no território de Mianmar. O capitalismo gera uma
visão incorreta sobre a realidade que impede ou dificulta a
realização do Dharma. Essa visão incorreta causada pelo capital nas condições do
imperialismo tal como ocorre em Mianmar pode ser observada por todo globo, como
o monge tailandês Wirapol Sukphol que transformou o Dharma em capital para
acumular riquezas e poder, incluindo o poder sobre o corpo de mulheres.
Os que
reproduzem as falsas narrativas das classes dominantes permanecem na superfície
dos fenômenos não alcançando a essência das coisas; repetem explicações que
recebem dos mais diversos meios de comunicação sem se perguntarem quais os
interesses dos proprietários destes meios de comunicação em se comunicarem de
tal forma: a quem servem? Quem lhes financiam? Essas narrativas acerca dos
conflitos imperialistas ocultam a luta entre classes (exploradores/opressores X
explorados/oprimidos) em confusos discursos sobre democracia e liberdade,
discursos religiosos, étnicos e de relações de gênero que, mesmo constituindo
condições importantes para uma correta visão do todo, jamais são causas. A
décima primeira estrofe do Dhammapada diz: “Os que imaginam o essencial no
inessencial vêem o inessencial no essencial, estes habitam a esfera do falso
pensamento e jamais atingem a essência.” Alcançar a essência de algo é
descobrir suas causas. A realidade é por demais complexa para aceitarmos
passivamente as informações que nos é transmitida por uma empresa ou grupo de comunicação. Como tudo o que é humano tem sua origem na mente, esta transmissão possui uma
intenção por trás e é preciso ter uma clara visão sobre essas intenções, sobre
os interesses destas empresas e grupos. É necessário se perguntar se a fonte
destas informações que chegam até você está comprometida com o oprimido
explorado ou com o explorador opressor. Essa pergunta é importante para se
desfazer de qualquer ingenuidade acerca do aqui e agora ao qual precisamos
estar despertos.
A visão correta
implica, dentre outras condições, que superemos nossos preconceitos ou ideias
apriorísticas. Neste sentido, a independência do Tibet não se confunde com a
defesa do budismo como ideologia de Estado, bem como a defesa do comunismo não
significa a defesa das barbáries cometidas em nome do comunismo. Mao Tse-tung,
como o próprio XIV Dalai Lama afirma, era admirável e lutava pelo bem das
massas trabalhadoras chinesas; o Lama chegou a afirmar que se considera meio
budista e meio marxista. Igualmente, não podemos pressupor que um Tibet
independente hoje retornaria ao lamaísmo. O tempo não volta. Por
isso, defendo a independência do Tibet e, ao mesmo tempo, os ideais de emancipação do trabalho da
revolução chinesa de 1949, neste sentido, são os trabalhadores tibetanos que
devem decidir sobre suas próprias vidas. Nada deve ser produto da decisão de
burocratas de estados que se autoproclamam socialistas e de religiões que se autoproclamam salvadoras e bondosas. Ao povo deve pertencer o seu destino, e o povo tibetano deve exercer a autodeterminação.
O caso brasileiro
O projeto petista, tucano e do bolsonarismo são antinacionalistas e entreguistas. O imperialismo financia o golpe via instituições como a Atlas e outras, com seus subordinados civis como o MBL e subordinados militares como os que apoiam Bolsonaro. Estes falsos nacionalistas entregam e entregarão as riquezas nacionais aos empresários estrangeiros e seguirão assassinando o povo brasileiro que luta pela sua emancipação, como são os camponeses organizados no MST e os trabalhadores sem teto dos centros urbanos. Esses falsos nacionalistas iludem o povo brasileiro a serviço do imperialismo, a serviço desta rede de grandes empresários internacionais que exercem a rapina e a desgraça de povos inteiros pelo planeta. Estaremos atento e seremos oposição ao governo de direita e fascista de Bolsonaro que é antipopular e antinacionalista.
A conjuntura
das lutas por independência nacional e emancipação dos trabalhadores se
modificou, todavia, os inimigos da verdade e os exploradores do povo continuam
sendo tigres de papel, pois as revoluções do século XX, em especial a
vietnamita e a cubana, demonstraram que um povo organizado e consciente é capaz
de derrotar a mais cruel e feroz máquina de matar do planeta: o imperialismo
estadunidense e seus lacaios nacionais como esses militares entreguistas que hoje ocupam o governo e permanecerão ao longo do governo Bolsonaro. A causa da crise em que nos afundamos não é a solidariedade aos imigrantes que buscam refugio no Brasil. Às vítimas das guerras imperialistas, toda nossa solidariedade; não são eles que usurpam nossas riquezas e super exploram nosso povo.
Somos budistas brasileiros, Shin, Zen e de outras tradições unidos pela emancipação do Brasil e de todos os povos que sofrem nas unhas da águia de rapina ianque e seus subordinados (Colombia, Israel, França, Inglaterra, etc). O imperialismo é um tigre agressor, mas
quando a nação subjugada perde o medo, o imperialismo se revela um tigre de
papel. A visão correta retira a aura do opressor e fornece ao oprimido a força
moral e intelectual necessárias para a emancipação; como explica Marx em O
Capital, o “(...) indivíduo A não pode se comportar para com o indivíduo B
como para com uma majestade, sem que, para A, a majestade assuma a forma
corpórea de B (...)”, ou seja, quando o explorador-opressor perde a majestade,
seus súditos não o reconhecem como rei. O povo (conjunto das classes
subalternas de um Estado-nação) se levanta em luta como uma tempestade: o rei sem
majestade ou o tigre de papel é açoitado pelo vento e pela chuva. Abre-se uma
época de lutas sociais e revoluções, a mente e o corpo se transformam. Viva o povo brasileiro! Fora o falso nacionalismo que governará o Brasil nos próximos anos! Todo poder ao povo!