domingo, 19 de abril de 2015

Construir o budismo marxismo

Sou marxista desde tenra idade, apenas há pouco tempo descobri o budismo. Procurando referências de possíveis unidades entre essas duas grandes tradições culturais descobri pouca coisa, como o Socialismo Dhammático do tailandês e mestre budista Buddhadasa Bhikkhu. Recentemente, vem da Inglaterra a experiência da Aliança Marxismo-budismo, criada em 2013. Além disso, é interessante citar também o que se tem chamado de Zen Marxism. Enfim, estamos tratando de duas tradições complexas cuja unidade se faz sentir em todo planeta.

No Brasil o tema da relação entre budismo e marxismo surgiu em tom polêmico para a intelectualidade ligada à classe dominante quando, em abril de 2013, Tenzin Gyatso, o 14º Dalai Lama, afirmou em palestra numa universidade de Minnesota nos EUA: “Em relação às questões sócio-políticas, eu me considero um marxista. Mas não sou leninista”. Alarde: um líder religioso declarou-se marxista! A vulgata mais caricata do reacionarismo brasileiro logo se incomodou e inflamou o ódio contra Dalai Lama através da condenação rasteira do marxismo e de um julgamento precipitado do líder tibetano.


O fato de Dalai Lama declarar-se marxista não-leninista muito me agradou, pois, apesar de o leninismo ser a interpretação dominante do pensamento de Marx no interior da esquerda, tenho me afastado dela desde 2007 num processo de autocrítica e me aproximado da tradição marxista conhecida como "comunismo de conselhos". Críticos do bolchevismo, esta tradição marxista vislumbra uma sociedade organizada em conselhos populares de trabalhadores, não-hierárquica, sem políticos, sem policiais, sem patrões e sem dinheiro, pautada na solidariedade e no respeito à capacidade e necessidade de cada indivíduo. Neste mesmo sentido são as críticas de Dalai Lama ao capitalismo chinês e também do monge Thich Nhat Hanh que, ao retornar para o Vietnã dominado pela burocracia, afirmou referindo-se à sua sangha: "Na verdade, nós somos os verdadeiros comunistas".


A revolução que se avizinha, nestes tempos de agitação social global, pode tornar-se uma verdadeira revolução espiritual ou ser o aprofundamento da barbárie. Isso dependerá, dentre outras condições, da nossa prática como budistas, pois se a paz interior for sinônimo de omissão diante do sofrimento dos oprimidos ela está maculada pelo ego e não pode despertar compaixão e amor genuínos.

Não estamos sós. Pensamos como o budista anarquista Gary Snyder:

A grande conquista do Ocidente foi a revolução social; a do Oriente o insight individual sobre o vazio essencial de um eu. Necessitamos de ambas. Ambas estão contidas nos três aspectos tradicionais do caminho do Dharma: a sabedoria (prajña), a meditação (dhyâna) e a moralidade (sîla). A sabedoria é o conhecimento intuitivo da mente de amor e claridade que jaz debaixo das ansiedades e as agressões dirigidas pelo ego. A meditação é ir até o âmago da mente para ver isto tudo por si mesmo – uma e outra vez, até que se torne a mente em que a pessoa reside. A moralidade é levar isto de volta para o dia a dia na maneira como se vive, através do exemplo pessoal e a ação responsável, e em última instância até a verdadeira comunidade (sangha) de “todos os seres”.


Provavelmente, uma das causas que até hoje mais contribuíram para impedir tal unidade é a ignorância com que marxistas e budistas se tratam, o que impede uma análise mais detalhada e um diálogo mais fraterno entre ambos. Aqui no Brasil não é diferente: essa unidade ainda não foi desenvolvida e, para suprir esta lacuna, pensei neste blog como uma pequena contribuição. Espero contar com a colaboração de vocês. Esta postagem não é uma apresentação, é um convite. Entrem em contato.


Que nós budistas e ativistas anti-capitalistas tenhamos compaixão e sabedoria para apoiar a luta dos oprimidos por um mundo melhor, sem violência, sem classes e sem qualquer forma de opressão e exploração.


Paz e felicidade a todos os seres.




Leia mais sobe a repercussão das declarações de Dalai Lama:


Diário de Notícias, Portugal, 2007.

Diário Liberdade, Portugal, 2015.

Deriva Geek, Brasil, 2008.

7 comentários:

  1. Olá, caro bloguista ...

    Concordo inteiramente, que o budismo e o marxismo, se completam !!!

    Especulativamente - artur

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    1. "especulativamente" foi boa.... rs
      Vamos mantendo o contato.
      Valeu, Artur.
      Abraços!

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  2. Muito interessante. Me autointitulo "Ecosocialista" e tenho um grande respeito pelo budismo, me interessei bastante pelo blog. Continue postando, por favor. Abraços!

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  3. Obrigado Rodrigo. Como já deve ter notado, passo pouco por aqui... Estou elaborando uns podcasts curtos pra tornar nosso diálogo mais dinâmico. Agradeço, tudo de bom!

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  4. Mto legal. Como posso manter contato?

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