domingo, 26 de abril de 2015

Samsara, o eterno fluxo


Pense nas pessoas que você ama. Essas pessoas, um dia, morrerão. Olhe para você. Um dia você não existirá mais. Veja as coisas ao seu redor. Tudo, mais cedo ou mais tarde, desaparecerá, pois tudo perece. Os objetos que você tanto dá valor, após sua morte, não estarão mais sob seu poder. Sabe-se lá o que lhes acontecerá, passarão de mãos em mãos, serão doados, perdidos, deixados para Cronos. Aos poucos, enfim, tudo o que agora existe vai desaparecendo, inevitavelmente. Assim como os antepassados de sua família, você também não será lembrado. É a lei natural a qual tudo se submete: "Na natureza nada se crea, nada se perde, tudo se transforma". O universo, tal como o conhecemos, é samsara, um permanente processo de nascimento e morte. A expressão samsara vem do sânscrito e significa "fluxo contínuo", o permanente processo de mutação de tudo o que existe, seja orgânico ou inorgânico surge, desenvolve e perece.

O mundo tal como o percebemos é samsara. O que você sente com os olhos, os ouvidos, a boca, com a pele, o nariz ou com sua mente (medo, amor, tristeza ou felicidade, etc) nada é permanente. Isso parece óbvio, mas, como explicou Dalai Lama, vivemos como se nunca fossemos morrer e morremos como se nunca tivéssemos vivido. Isso ocorre porque vivemos em samsara e somos parte dela. Assim como tudo flui constantemente, nosso corpo e mente fluem também. Pensamentos, sentimentos, desejos fluem em nós e não nos damos conta. Há diversas situações em que agimos, falamos ou pensamos coisas das quais nos arrependemos, pois tudo flui em nós, nós mesmos somos fluxo e nos deixamos levar por samsara. Nossos pensamentos, dizem os budistas, são como macacos pulando de galho em galho. Provavelmente você já deve ter reparado uma vez ou outra que, quando você menos espera, está cantarolando uma canção em sua mente e se pergunta: da onde tirei essa música? Ou: Essa música não sai da cabeça! Isso é um exemplo de como não temos controle sobre o fluxo e nem sobre nós mesmos.

Por todas essas razões, os budistas afirmam que samsara é o reino das ilusões e estas levam ao sofrimento. O fluxo foge ao nosso controle: não podemos evitar a nossa morte e nem a das pessoas que amamos. Não podemos evitar o envelhecimento e as doenças; não se pode evitar que um dia esteja quente e outro frio; noite e dia. O objeto de que você gosta, mais cedo ou mais tarde, irá se perder ou quebrar. Inevitavelmente a vida é carregada de dor e sofrimento. Samsara não é, portanto, um lugar, mas também não é apenas um ponto de vista sobre a realidade, não é apenas um estado mental. É tudo o que existe: sua mente, seu corpo e o mundo externo a você. Antigamente as pessoas acreditavam que o sol girava em torno da terra, mesmo mentes brilhantes como a de Aristóteles, pois estavam presos à samsara: nossos sentidos mostram o sol "nascendo" no leste e se pondo no oeste e, ao contornar a abobada celeste, dá-nos a impressão de que gira sobre nós. Hoje sabemos que isso não é verdade, mas naqueles tempos a humanidade estava presa a um determinado estágio do samsara. Hoje os telescópios e satélites ampliam nossos sentidos e nos possibilitam novas relações com o universo, assim, novas formas de verificação empírica de determinadas hipóteses e teorias: sabemos que a Terra e a espécie humana não são o centro do universo, mas novas ilusões surgem a cada passo que desvendamos samsara, como a cosmologia do Big Bang e outras formas de nos enganarmos sobre a origem e o sentido da vida e das coisas.

Samsara, o fluxo permanente de surgimento e desaparecimento de cada ser, gera ilusões também devido ao fato de que a realidade parece ser tal como nos aparece. Temos a ilusão de que as coisas sempre foram tal como são e permanecerão. Einstein explica que quando pegamos uma pedra, sentimos apenas a maior concentração de energia a qual chamamos pedra, mas ao redor da pedra existe um campo energético que é também o seu ser. Ao olharmos nossas mãos vemos apenas o limite da pele, todavia, isso é ilusão de samsara, do fluxo energético limitado de nossa visão, de um falso eu, pois não revela o campo que também é parte de nós. Quando uma barra de metal é eletro-magnetizada sua massa aumenta; quando rodamos um pião, sua massa diminui. mas essas variações na massa são imperceptíveis aos nossos sentidos. Em nosso corpo células morrem e nascem a todo instante e, em dois anos, toda a matéria que forma nosso corpo é trocada... daqui a dois anos a matéria que forma você será outra, seu corpo não será formado pelo que é hoje. Tudo flui.

Se permanecermos presos a samsara seremos iludidos cada vez mais. O fluxo é estímulo para nossa mente e adentramos na roda de samsara de modo natural, pois a natureza é mutação, mas o problema é que, como seres sencientes, buscamos a felicidade motivados pelas ilusões provocadas por samsara. Somos levados pelo fluxo que geram nossos desejos de maneira espontânea, irrefletida e imediatista. Acreditamos que um cabelo X e uma roupa Y talvez nos faça melhor, mais felizes; talvez um carro do ano ou um livro que acabaram de lançar. Bebemos refrigerantes para matar a sede e nos refrescarmos pois estamos presos aos sentidos do desejo imediato, mas é apenas ilusão, a destruição provocada em seu corpo e mente pelo refrigerante geram sofrimentos mais duradouros do que o prazer momentâneo.

Brigamos com nossas crianças porque elas quebram algo ou riscam nosso carro sem querer e, ao levantarmos a voz para elas, as oprimimos e não a educamos, causamos sofrimento nela e em nós, pois a sensação negativa da raiva se faz sentir em nosso corpo e o fato é que nem o risco no carro se desfez e nem nossa relação com os outros melhoraram.

Buscamos a felicidade iludindo-nos de que tudo é permanente e, quando isso se desfaz, sofremos ainda mais. Quando estamos amando, pensamos que é eterno, mas sendo tudo samsara, nada é eterno. Vivemos como se nossos amigos e família nunca fossem morrer. Minha filha de 2 anos pode morrer mesmo antes de mim e quando isso ocorre iludimo-nos ainda mais pensando que "fomos pegos de surpresa" enquanto, na realidade, estamos sujeitos a isso. Por isso, o desejo, o apego e a ignorância são intensamente pesquisados no budismo afim de nos libertarmos.

A meditação e a mente alerta nos ajuda a vencer a ilusão da permanência gerada por nossos sentidos e, compreendendo samsara aprendemos a aceitá-la. Se a prática budista for realizada adequadamente, seguindo os três treinamentos e as três jóias, gerará paz interior e amor para com os seres, pois o budismo não o é apenas uma ciência da mente que traz autoconhecimento, mas também um caminho espiritual. O budismo, ao mudar nossa forma de agir em samsara, livra nossa mente dos estímulos de samsara. Os estímulos são como pingos de chuva e nossa mente um lago. Se a chuva cai sobre o lago a imagem do céu sofre as irregularidades das ondas que se formam na superfície do lago. À medida em que a chuva vai passando o lago vai serenando, assim nossa mente não fica prisioneira dos estímulos e das aparências que criam ilusões. Refletindo o céu tal como um espelho, nossa mente serena é capaz de ver o nirvana, um estado mental sem significações ou abstrações, sem dualidade sujeito-objeto, sem a diferença entre o eu e o mundo. Um estado de felicidade plena e paz interior que não abandona samsara mas a percebe de outra forma, por isso, o monje Gênsho afirma que samsara é nirvana e nirvana é samsara, o que muda é nossa relação com o fluir da existência, por isso, diz-se no budismo que escapamos de samsara para vermos o nirvana, duas faces de uma mesma moeda: a realidade tal como é.

Saiba mais sobre samsara:


Samsara não é um lugar


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